é entre o fulgor bélico dos movimentos
que reconheço o meu corpo
qual silêncio intermitente
nos momentos mais cruciais do terror.
rasgamos as várias formas de holocausto
para que as várias formas de holocausto
se multipliquem por mais formas de holocausto.
vivemos das oscilações, reconhece.
tudo se resume a um dinamismo necessário,
a uma sensação efervescente no tecido dos dias.
o organismo preso à realidade,
a realidade dispersa na velocidade de existir.
e é nas fugas que nos reconhecemos
e que nos rescrevemos: fugir integrou parte da nossa postura no mundo.
no interior das veias
possuímos caos em vez de sangue.
toma estas palavras cheias de medo
sara f. costa
terça-feira, 5 de dezembro de 2017
sexta-feira, 3 de novembro de 2017
A ouvir o mar da cama
o mar no inverno é uma cabeça dilatada
uma floresta de lâmpadas
onde celebras a aparição do frio.
as raízes do sono escoam o escuro
dentro da memória a água é suave.
os dedos tocam a superfície da respiração
no lirismo tóxico dos sonhos.
o canto das ondas feridas
atravessa a existência.
os relâmpagos afogados no rosto
a areia desdobrada sobre o útero.
estas são as imagens de vocabulário
deitadas incrustadas nos lençóis.
uma floresta de lâmpadas
onde celebras a aparição do frio.
as raízes do sono escoam o escuro
dentro da memória a água é suave.
os dedos tocam a superfície da respiração
no lirismo tóxico dos sonhos.
o canto das ondas feridas
atravessa a existência.
os relâmpagos afogados no rosto
a areia desdobrada sobre o útero.
estas são as imagens de vocabulário
deitadas incrustadas nos lençóis.
quinta-feira, 2 de novembro de 2017
Dicas para um desempregado
coloca todos os dias o despertador para a mesma hora
e utiliza o sistema linguístico que preferires no silêncio.
tens muitos canais à escolha,
escolhe aquele que te evadir primeiro
sai da cama e sente-te inválido
como a chuva que hoje chove e amanhã não
os dias no calendário que se sucedem
e nada acontece
escreve por graça e escreve de graça
quando não se tem não se gasta
recebe as prestações sociais para te pagarem as compras no Lidl
bebe mais ou menos a mesma quantidade de álcool,
masturba-te durante a tarde
telefona aos teus pais,
verifica se já morreu mais alguém.
procede até ao fim do dia até ao fim da noite,
procede até ao fim.
em "O Movimento Impróprio do Mundo" Âncora Editora, 2016
e utiliza o sistema linguístico que preferires no silêncio.
tens muitos canais à escolha,
escolhe aquele que te evadir primeiro
sai da cama e sente-te inválido
como a chuva que hoje chove e amanhã não
os dias no calendário que se sucedem
e nada acontece
escreve por graça e escreve de graça
quando não se tem não se gasta
recebe as prestações sociais para te pagarem as compras no Lidl
bebe mais ou menos a mesma quantidade de álcool,
masturba-te durante a tarde
telefona aos teus pais,
verifica se já morreu mais alguém.
procede até ao fim do dia até ao fim da noite,
procede até ao fim.
em "O Movimento Impróprio do Mundo" Âncora Editora, 2016
segunda-feira, 30 de outubro de 2017
Autorretrato
febre inquieta,
desejo de artista,
mar selvagem
no aroma do gelo.
um olhar fixo
sobre as vítimas periféricas
na parte asiática do meu desejo.
segmentos de sombra justificáveis
na convocação das pálpebras,
o tédio nos bolsos junto ao
smartphone permissivo.
desejo de artista,
mar selvagem
no aroma do gelo.
um olhar fixo
sobre as vítimas periféricas
na parte asiática do meu desejo.
segmentos de sombra justificáveis
na convocação das pálpebras,
o tédio nos bolsos junto ao
smartphone permissivo.
quarta-feira, 25 de outubro de 2017
O sepulcro-espelho
tens um pedaço de madeira na carne,
há uma beleza a inchar
os teus os seios centrífugos.
lentamente a ferida lambe o gato
que se junta à ciência da embriaguez.
o movimento impróprio do mundo
incomoda-te.
eu sei que a claridade do sexo te acalma
mas a tua idade lenta tem vindo a
deformar o amor.
queres humedecer os nervos
com escuridão.
a harmonia demoníaca do teu desejo
sacrifica-se mais uma vez pelos livros ardentes.
deixa que o sepulcro te masturbe.
há uma beleza a inchar
os teus os seios centrífugos.
lentamente a ferida lambe o gato
que se junta à ciência da embriaguez.
o movimento impróprio do mundo
incomoda-te.
eu sei que a claridade do sexo te acalma
mas a tua idade lenta tem vindo a
deformar o amor.
queres humedecer os nervos
com escuridão.
a harmonia demoníaca do teu desejo
sacrifica-se mais uma vez pelos livros ardentes.
deixa que o sepulcro te masturbe.
terça-feira, 21 de julho de 2015
O Estudante de Relações Internacionais
Conheci-te em Judaberg numa noite íngreme.
A neve tingia-nos a voz. O apetite melancólico
da ilha aproximou-te imediatamente do meu corpo
e, apesar dos sorrisos cordiais, partilhávamos
o mesmo fascínio pela guerra.
da ilha aproximou-te imediatamente do meu corpo
e, apesar dos sorrisos cordiais, partilhávamos
o mesmo fascínio pela guerra.
Contos europeus ardiam pela vodka com sangue,
ascendiam pela madrugada cada vez mais nossa.
O 4 de Julho é o dia em que Sigismundo II
anexa a Lituânia à Polónia. No século XX
deportaram-te familiares para a Sibéria.
ascendiam pela madrugada cada vez mais nossa.
O 4 de Julho é o dia em que Sigismundo II
anexa a Lituânia à Polónia. No século XX
deportaram-te familiares para a Sibéria.
O mar do norte raspava-nos as palavras,
enquanto a neve nos esmagava contra
o esquecimento da ilha. Sabia que podia
partilhar contigo a minha dívida soberana,
a minha identidade republicana, a ausência
de sono, o medo e o existencialismo.
enquanto a neve nos esmagava contra
o esquecimento da ilha. Sabia que podia
partilhar contigo a minha dívida soberana,
a minha identidade republicana, a ausência
de sono, o medo e o existencialismo.
Combinámos encontrar-nos algures entre
o Império Otomano e o Bizantino,
por volta de Agosto. Eu apanhei o avião
tu vieste de autocarro. Quando lá chegámos
o sul da Europa já não te interessava porque
estavas deslumbrado com os conflitos no Líbano.
o Império Otomano e o Bizantino,
por volta de Agosto. Eu apanhei o avião
tu vieste de autocarro. Quando lá chegámos
o sul da Europa já não te interessava porque
estavas deslumbrado com os conflitos no Líbano.
quinta-feira, 16 de julho de 2015
A semiótica do sucesso
ninguém
te viu como eu te vi,
um
sobressalto de sangue,
uma
tradução nebulosa
um
poema escrito no metro em direção a Odivelas
isto
porque eu sei que ninguém te escreveu
ou
contemplou a enfermidade
que
trazes esculpida na alma
talvez
porque mais ninguém traz letras suficientes
na
boca,
talvez
porque te pareças com uma ave ferida
pela
pós-modernidade,
e
o meu instinto é demasiado solto
na
tua postura muito reta
na
gravata inesperada aos trinta
toda
a tua invisibilidade relata
a
semiótica do sucesso.
no
teu fato construído com a paciência neoliberal
que
tanto dizes apreciar
enquanto
secretamente querias passar os dias
comigo
e uns gramas de marijuana.
quarta-feira, 15 de julho de 2015
Crítica Literária
as
árvores ensopam o domingo lento
que
se acumula junto aos pés
pelo
musgo no colo sei que estás em direto
acusas-me
de ter um corpo miúdo
acusas-me
sempre do mesmo
do
corpo que se expande pelo poema
sabes
que me vou esvair em ásia
sabes
que são horas de esclarecer
o
propósito desses assassinatos.
vesti
a saia de fósforos, a tua preferida
no
meu ventre asteca queres incendiar o mundo.
na
procriação da sala
visto
ao poema um refrão ecológico.
o
corpo miúdo amiúde hermético como a geladeira
onde
deixaste aquele ensaio esvair-se em sangue.
acusas-me
de nunca me separar da casa.
de
braços cruzados na contemplação da sorte
eu
diria que é o trânsito das portas
e
o sossego do Tejo
naquele
quadro do anterior arrendatário.
é
um verão longo no rodapé da razão
e
o meu uivo domesticado
tem
raízes no simbolismo, continuas,
largo
os pés de vez
em
direção à página branca
ao
militarismo trémulo da tua voz
de
encontro à pele críptica do papel
acusas
a boca de se habituar à fotografia
e
as notícias de saquearem a grafia
na
sala procriam-se palavras irregulares.
uma
casa corpo, não passo de.
domingo, 12 de abril de 2015
Tudo amadurece,
até
o silêncio
aquele
que ressoa por esta febre
febre
que se arrasta pelo poema,
poema
que se verga
para
o seu interior de mar.
as
rosas brotam
o
leite envenenado
dos
nossos direitos mais antigos.
o
avião transporta o peso
da
luz
e
a água da manhã atravessa
o
brilho abandonado das mulheres
selvagens
que te tecem o sono.
amanhã
as fábricas recomeçam
a
queimar os seus mortos
e
deus ressuscitará entretanto.
sábado, 11 de abril de 2015
Cheguei demasiado cedo
ao
colo da floresta,
quando
falei,
falei
extremamente baixo
sobre
as mitologias
da
linguagem.
se
alguém me ouviu
foi
porque este oceano pedestre
a
que chamas existência
me
deixou mergulhar
nas
vertigens dos campos.
deixa-me
conduzir
esta
voz
até
à intimidade do céu.
sexta-feira, 10 de abril de 2015
O cabelo abre-se na chuva,
a
praça flutua
pela
atenção palpitante.
o
silêncio quer enlouquecer
de
forma audível.
e
o rosto esconde a noite
enquanto
os ecos das montanhas
nos
envolvem
em
possibilidades infinitas.
a
minha arte é plástica:
uma
tela molhada
em
peregrinação lírica.
a
matéria reinventa-se no útero dos nomes.
quinta-feira, 9 de abril de 2015
Uma imagem lenta
vou
enquadrar-te nesta folha
através
de uma imagem lenta.
quero
que saibas que penso em ti
e
que o pensamento de ti é uma turbulência.
fazem
hoje cem anos desde que a arte te previu
num
sorriso de tabaco no canto da página.
não
te quero dar conselhos apenas observar
que
Janeiro é um mês altamente inflamável
e
que sinto a sombra dos teus poros na minha pele.
peço-te
ainda que me recues das palavras agudas
e
deixes a cidade gravitar em mim,
sou
carne sem fôlego e sem poética
numa
clareza incessante de árvores noturnas.
estendo-te
a mão na noite contínua.
Tensão
a
comida engelha-se na boca
o
vinho é de qualidade reconstituída
como
a mobília
a
família vai desaguando com cuidado.
todas
as personagens têm personalidades vencidas
penduram-se
nas paredes
engole-se
o bom senso
pois
dele não se alimenta o pulmão da sala.
vamos
demolindo o português até às reticências.
falamos
de assuntos
e
deixamos o vidro das conclusões
rodopiar.
por
cima do vinho e do sangue em vinho
os
conhecidos e os inocentes, os infiéis
somos
suprassumos da lógica
mestres
da verdade
ligamos
a televisão
para
não termos que partir pratos.
quarta-feira, 8 de abril de 2015
A literatura é uma fábrica
com
miolos azuis
manhãs
burguesas,
telefones
ou telemóveis que vibram com os lábios
um
automóvel, um prédio
um
fascismo vulnerável
num
horizonte proletário,
a
lógica escorrega-me
diretamente
da gargalhada,
mas
o meu género é subgénero
asfixiado,
transpirado
transpira
pelas paredes.
que
venha o fado
ou
então o gado, para facilitar,
talvez
o gado.
terça-feira, 7 de abril de 2015
Liberdade
a
liberdade é deixar-se estar a meio dos desejos
é
uma procura de ardores
uma
rua onde Ramos Rosa adiou o amor.
os
séculos sucederam-se
no
ventre da lenha
onde
ardem todas as bandeiras do mundo.
deixa-me
na margem do Outono
porque
a liberdade é cinzenta
como
os braços da terra
falta-me
procurar a liberdade
na
cintura da chuva, no riso da arma.
quero
desfiar a voz para encontrar a retórica do medo.
tantas
palavras começadas por a: acaso, ação, ator, adultério, amor
mas
eu quero renascer das balas
e
trazer-te livre
derramar-te
no oceano com o mesmo sangue dos atores,
do
adultério e do acaso.
não
se ama a liberdade,
bebe-se
liberdade
misturada
com espumante e terror.
é
o rasto da revolta
é
o desprezo pelo erro.
hoje
liberto-me de ti, amor
e
tudo é um acaso gelado,
uma
ação livre e miserável.
sexta-feira, 3 de abril de 2015
Tenho a sabedoria de possuir
uma
civilização comprida
com
a beleza a encharcar-me
os
antebraços.
deito-me
na extensão desta doença,
adormeço
nos corredores inexplorados
do
medo.
o
tempo mede a viagem
e
a viagem cresce por dentro
do
mármore.
deixa-me
acreditar na noite
e
nas paredes dançantes,
nos
lugares corrigidos
onde
se cumprem
as
peregrinações da fome.
um
homem dispara contra mim a liberdade,
morro
em silêncio
na
presença simples dos lábios,
nas
formas concretas que desafiam os objetos.
quinta-feira, 2 de abril de 2015
Amplifica o ator que há em ti
com
escudos de fogo,
flechas
paradas nas cavidades do gesto,
a
metamorfose das grutas dos nomes
onde
nos escondemos num exemplo de inflexão.
um
elenco de monstros
surge
aos olhos cinematográficos do dia-a-dia.
a
vida parece refugiar-se no lado central dos nervos.
domingo, 29 de março de 2015
Vou-te contar o que vejo:
a
vida ordena-se como a luz magra do poema
reparte-se
em pedaços iguais
de
verde, azul e branco
tudo
cinzento por baixo,
os
prédios que contrastam com o estádio de futebol
a
loja dos chineses,
as
placas que indicam que Figueira da Foz é mais ou menos na mesma direção
das
minhas artérias.
uma
ponte surge subitamente entre a janela e o poema.
os
carros alinham-se em andamento
todos
com a inspeção em dia
e
as luzes ligadas à noite
e
a vida ligada à morte
e
a morte desligada
a
apodrecer numa fruteira.
sábado, 28 de março de 2015
O autocarro local
o
autocarro local vai devagar pela alegria
porque
de outra forma ruiria
as
décadas queimadas pelo exagero dos pacientes
paz
sem dentes
depois
dela pouco resta a não ser apanhar o autocarro.
este
carro é a manhã pós-soviética,
há
estrelas ardidas pelo chão,
a
noite foi inexplicável
e
não é aplicável qualquer teoria emancipatória
muito
em voga na história
e
fervente na memória
não
posso falar de esquerda aqui
muito
embora me pareça óbvio
que
a evidência do capital é residual
e
seria normal querer ir noutra direção
mas
o autocarro não muda
mudo
pela estrada do pensamento
o
mundo é um rebento
e
enquanto não houver esperança há vida.
sexta-feira, 27 de março de 2015
Na rua em Daugavpils
procuro
metamorfoses da alma
explorar
o universo da tua essência
à
procura de mim em ti.
há
neste percurso uma invasão consentida
ninguém
sabe que galáxias profundas
dissimulamos
por baixo da pele.
escuto
o mar báltico no teu timbre.
um
homem passa por nós
enquanto
te pergunta em russo
o
melhor sítio para propor casamento à amada.
subitamente
sentes que percebes um pouco de tudo,
até
de pedidos de casamento.
caminhamos
num conforto tão grande
que
disfarça os graus negativos da rua.
a
vida é o nosso destino e aparentemente já chegamos
sem
nunca ter partido.
quinta-feira, 26 de março de 2015
Palco invisível
trago
comigo as gigantes perguntas
que
ardem no peso da fala.
de
ti espero a noite corrompida,
a
solidão contínua
que
vai até aos prédios e retorna
mas
acredito na tua companhia
como
acredito na vaidade do sol
a
vida ruge-me nos ombros
enquanto
a vergonha respira
entre
segredos.
onde
estás e por onde andaste
são
grutas miseráveis
que
se erguem pela lógica
porque
a tua presença não faz sentido
somos
atores de um palco invisível
não
te percas no retorno
porque
a verdade é que nunca cá vieste.
terça-feira, 24 de março de 2015
A cidade
de
si para si mesma
com
as palavras na continuação das veias
a
cidade a gravitar
nos
fragmentos sensíveis dos verbos.
um
movimento noturno
vive
nos andares mais altos
da
solidão.
a
cidade genial precipita-se
na
convocação dos homens
que
se perdem e se encontram
no
mesmo espaço.
a
idade quente da terra
morre-me
nas mãos ao passar
esta
ponte triste
que
vai dar a Setúbal.
não
conseguirias pagar
as
casas que eu vendo
nem
que dobrasses a tua existência.
o
tejo demora-me nos olhos,
lembra
o som crepitante
da
tua presença.
hoje
amo quem rir.
segunda-feira, 23 de março de 2015
Pelas estradas
se
as árvores se diluem no alcatrão
e
os campos temem os carros que nunca lhes tocam,
é
porque o céu é uma miragem líquida
esquecida
por cima das vidas alheias
que
me trespassam a voz.
é
quando deixo que o olhar se despiste violentamente
contra
o pensamento
que
desejo a vida dos postes de eletricidade.
dá-me
a sombra do movimento
e
a ansiedade nómada,
a
paz de saber que todo o conflito é permanente.
dá-me
todas as paisagens portuguesas que tiveres
preciso
de um autorretrato de montanhas e mar.
preciso
do sol a acender as vertigens
com
uma nuvem impúdica
que
cresce no reflexo dos dedos.
deixa
que o autocarro entre a fundo no Inverno atlântico
a
que chamamos casa.
domingo, 22 de março de 2015
Ode à Adolescência
"Bleeding animals in a field of fire
There is no absolution
Death is but a fairytale
They are mere visions
They are afraid of me"
There is no absolution
Death is but a fairytale
They are mere visions
They are afraid of me"
Ao João Bosco da Silva
hoje a tecnologia respira-nos a presença,
a loucura ao lume
numa parte incerta deste silêncio transnacional
onde o nosso diálogo é contínuo.
dantes, o corpete cor de vinho e o vinho como um rumor,
os pulmões queimavam já os cigarros precoces.
dantes, o teatro da tragédia e os palcos inacessíveis.
digamos: caí na adolescência como numa emboscada,
uma sobrevivência serena junto a um existencialismo incansável;
como um Nietzsche convocado no cemitério
ou Opeth no hardclub com o resto dos poetas.
uma rosa a Baudelaire e outra a Sartre
como prioridade na viagem de família a Paris.
todas as manhãs eram a continuação da noite
e todas as noites, minto, a tecnologia respirava presenças
já na altura.
era esta virgindade exausta que habitava o poema
inventava narrativas lubrificadas
inventava-te em lábios por estrear
queria a tua morada
sem saber se existias
e ainda assim escrevia-te, descrevia-te
e a fome sorria
enquanto alguém batia punhetas dolorosas
à custa do meu desprezo.
hoje a tecnologia respira-nos a presença
e eu na altura
a madrugada para a qual acordavas todas as manhãs.
quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015
on the road / pelas estradas
on the road
if trees melt into the tarmac
and the fields fear the cars that never touch them
it’s because the sky is a liquid mirage
forgotten over the lives of other people
that are piercing my voice.
it’s when I let my gaze go violently off the road
against my thoughts
that i long for the life of electricity pylons.
give me the shadow of movement
and the nomadic yearning,
the peace of knowing that all conflict is permanent.
give me all the portuguese landscapes you’ve got
i’m in need of a self portrait of sea and mountains.
i’m in need of the sun to light up my dizziness
like an unashamed cloud
growing over the reflection of my fingers.
let the bus be driven deep into the atlantic winter
we call home
(transl. AH, 2015)
and the fields fear the cars that never touch them
it’s because the sky is a liquid mirage
forgotten over the lives of other people
that are piercing my voice.
it’s when I let my gaze go violently off the road
against my thoughts
that i long for the life of electricity pylons.
give me the shadow of movement
and the nomadic yearning,
the peace of knowing that all conflict is permanent.
give me all the portuguese landscapes you’ve got
i’m in need of a self portrait of sea and mountains.
i’m in need of the sun to light up my dizziness
like an unashamed cloud
growing over the reflection of my fingers.
let the bus be driven deep into the atlantic winter
we call home
(transl. AH, 2015)
pelas estradas
se as árvores se diluem no alcatrão
e os campos temem os carros que nunca lhes tocam,
é porque o céu é uma miragem líquida
esquecida por cima das vidas alheias
que me trespassam a voz.
é quando deixo que o olhar se despiste violentamente
contra o pensamento
que desejo a vida dos postes de eletricidade.
dá-me a sombra do movimento
e a ansiedade nómada,
a paz de saber que todo o conflito é permanente.
dá-me todas as paisagens portuguesas que tiveres
preciso de um autorretrato de montanhas e mar.
preciso do sol a acender as vertigens
com uma nuvem impúdica
que cresce no reflexo dos dedos.
deixa que o autocarro entre a fundo no Inverno atlântico
a que chamamos casa.
Sara F. Costa
se as árvores se diluem no alcatrão
e os campos temem os carros que nunca lhes tocam,
é porque o céu é uma miragem líquida
esquecida por cima das vidas alheias
que me trespassam a voz.
é quando deixo que o olhar se despiste violentamente
contra o pensamento
que desejo a vida dos postes de eletricidade.
dá-me a sombra do movimento
e a ansiedade nómada,
a paz de saber que todo o conflito é permanente.
dá-me todas as paisagens portuguesas que tiveres
preciso de um autorretrato de montanhas e mar.
preciso do sol a acender as vertigens
com uma nuvem impúdica
que cresce no reflexo dos dedos.
deixa que o autocarro entre a fundo no Inverno atlântico
a que chamamos casa.
Sara F. Costa
sexta-feira, 9 de janeiro de 2015
Se a política me interessasse não tinha ressacas
a ressaca estalava das paredes sempre surpreendidas
superentendidas na matéria faziam sempre questão de mostrar
que amar era uma primavera despovoada
descuidada em delírios
dos escombros da noite emitiam-se vertigens
virgens de dedos frios
rios de ressurreição
a noite, parede, a noite era uma curva incessante
brilhante como uma boca tremida
queria caligrafia carnívora
porque há poemas que só comem carne
de mármore fotográfico
a ressaca e a garganta raspada pelas longas palavras
toda a noite sopradas na direção do teu coração
não é a política que me interessa é a expressão
corporal
oral, anal, virtual, sentimental,
desde que concordemos e acordemos
juntos.
o corpo de um animal, viral
na plenitude admirável
de uma insanidade infindável.
O autocarro local
o autocarro local vai devagar pela alegria
porque de outra forma ruiria
as décadas queimadas pelo exagero dos pacientes
paz sem dentes
depois dela pouco resta a não ser apanhar o autocarro.
este carro é a manhã pós-soviética,
há estrelas ardidas pelo chão,
a noite foi inexplicável
e não é aplicável qualquer teoria emancipatória
muito em voga na história
e fervente na memória
não posso falar de esquerda aqui
muito embora me pareça óbvio
que a evidência do capital é residual
e seria normal querer ir noutra direção
mas o autocarro não muda
mudo pela estrada do pensamento
o mundo é um rebento
e enquanto não houver esperança há vida.
Gerar ação
o sono é redondo e o sonho é a rede onde
os dedos magníficos da paisagem tocam deuses assombrados
a sombra dos brancos e cheios de crimes
que ri mesmo quando as letras estão molhadas
de segregação desta geração
de integridade pungente e a gente,
oh a gente, sonha à direita ou sonha para a frente
rente à miséria inspira devagar o incêndio
que em sendo linguagem é uma joia brusca
que se constrói falando do falo
e loucas as feministas expostas
em sombras indispostas
e as respostas em sangue permanente uma patente
na pele de um leitor moroso
amoroso de outra idade e idoneidade, vai-se lamentar
desta vida elementar de ser de uma geração
com perfume de reação
mas dentuça mediática, muito simpática
que dorme dorme por cima de toda a porcaria
porque queria ser gente abaixo do joelho
vê-se encostada a um quelho sem espelho para se desarranjar
e agora o medo crepita, a sirene apita
Jerusalém é rica e o capital atiça
atiça o silêncio de não haver ideal
pelo qual morrer quando me mover.
imagem lenta
vou enquadrar-te nesta folha
através de uma imagem lenta.
quero que saibas que penso em ti
e que o pensamento de ti é uma turbulência.
fazem hoje cem anos desde que a arte te previu
num sorriso de tabaco no canto da página.
não te quero dar conselhos apenas observar
que Janeiro é um mês altamente inflamável
e que sinto a sombra dos teus poros na minha pele.
peço-te ainda que me recues das palavras agudas
e deixes a cidade gravitar em mim,
sou carne sem fôlego e sem poética
numa clareza incessante cheia de árvores noturnas.
estendo-te a mão na noite contínua.
terça-feira, 23 de dezembro de 2014
Versões Letãs / Latviešu Valodā
Sara F. Costa
Traduções para o Letão por / Tulkojumi ar Edgars Kucins
Augšuplāde (Upload)
ainavu
spēks samaitā tekstu,
tas
iedziļinās trauslumā.
taustes
spēle, kvēlojošā, gleznainā spriedze
ap tavu
vārdu -
tik
saspringta tā ir, ka nav rādāma
bet es
vienmēr varu skatīt to fotogrāfiju,
nejau uz
sienām kā pagātnē, bet
es joprojām
varu iesakņoties tavā zemapziņā caur
tavu sienu
vienā no tiem sociālajiem tīkliem, kur nav vietas debatēm
tā kā katra
persona ir savas realitātes diktators, kas varētu būt arī
ērti
kur mums ir
iespēja tikai stāties pretī tam kas mūs
nešokē.
ļauj man
iepriecināt ar spējām redzēt tevi un ar spējām zināt to ka tu redzi mani,
tā kā es
esmu attēls, esmu miesīga viela, esmu mugura un pleci un acu plakstiņi,
es
eksistēju tāpēc ka eksistē gaisma.
ļauj man
augšuplādēt šo esamību tieši dziļākajā
atmiņā
dzimumdziņā.
ta laikam
ir vieglāk. vārdi ir dzejnieku darīšana.
Upload
a força da paisagem corrompe o texto,
penetra-o pela sua fragilidade.
o jogo do tacto, da fulguração, da tensão cénica
do teu nome -
que de tão tenso não é revelável -
mas posso sempre revelar-te esta fotografia,
não como antigamente, mas
posso sempre entranhá-la no teu subconsciente através do feed do
teu mural numa dessas redes sociais onde não há espaço a debate
porque cada pessoa é o ditador da sua própria realidade, o que até é bastante
conveniente
se na vida pudéssemos ser confrontados exclusivamente com aquilo que não
nos choca.
deixa-me rejubilar com a força de ver-te e com a força de saber que me vês,
sou assim uma imagem, sou matéria carnal, sou costas e ombros e pálpebras,
existo porque existe a luz.
deixa-me fazer o upload desta existência directamente na memória
mais profunda
da tua libido.
talvez seja mais simples. o texto é coisa de poetas.
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Nevainība
raupjie
rīti
sadedzina
miegu
un drudzis uzputo
vārdus vertikāli
tavs pirksts uz
mana vārda iedarbojas ar mokošu spiedienu
un spazma skrien
cauri šim tekstam
kamēr elle lēni
perinās manās krūtīs
kā čūska rāpojot
stundu svārstīgajā tukšumā
dzirksteles lido
ārā no grāmatas
un liesmas dziedē
ar katru neatlaidīgu elpas vilcienu
bet tur ir uzdevumi
mazāk saldi kā citi
un tur ir zilbes
kas liek vibrēt
nevainības
visdziļākajam kodolam.
Inocência
as manhãs primitivas
queimam o sono
e a febre crepita pela parte mais vertical das palavras.
o teu dedo sobre o meu nome faz uma pressão insuportável
e há um espasmo que percorre este texto
enquanto o inferno nos nasce lentamente no peito
como uma cobra a rastejar junto às cavidades inseguras das horas.
dos livros soltam-se faíscas
e as fogueiras cicatrizam com urgência cada respiração menos voluntária
mas há designações menos doces que outras
e há sílabas que se propõem a tentar vibrar
até ao centro da mais funda inocência.
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Ego
es tevi
meklēšu viscaur savam ķermenim,
es zinu ka
tu apdzīvo mani,
paslēpts
kaut kur manā ego.
ja tu neesi
tur, tu esi iekšā zvaigznēs un tas ir tas pats,
tā ir
filmas valoda, kura tev likās viduvēja jo tā bija abstrakta.
tas ir
gramatikas hromatiskais spektrs
ko tu
uzliec man,
tie ir
kliedzoši satraukti nervi dzejolī
un tas ir
pretī kliedzošs dzejolis
un vārdi
atsprāguši nost caur cīpslām.
es iespiežu
katru burtu visdziļākajā vientulībā
un lappuses
cieš no zilbju svara.
Ego
vou procurar-te em toda a extensão do meu corpo,
sei que me habitas,
sepultado algures no meu ego.
se não estás aqui, estás nas entranhas das estrelas e é igual,
é a língua de um filme que achaste medíocre por ser abstracto,
é o leque cromático da gramática
que me impinges,
são os nervos exaltados que gritam com o poema
e é o poema que grita
e as palavras que estremecem até aos tendões.
cravo cada letra até à mais profunda solidão
e as folhas lamentam o peso das sílabas.
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Tur ir mežonīgā gaisma
tur ir
mežonīgā gaisma kas pēta manu vārdu
lēni jūkot
prātā
iekš atmiņu
mitrām iekšām.
balss
plašums
izplešas
līdz sasniedz priekšmetu indīgo vecumu.
es sēžu
vērojot pludmali
kā ūdens
straumes pienak pārāk tuvu
gandrīz
aizskarot jautājumu.
mani
plakstiņi iztek līdz nerviem.
laika
slīpumā ir neciešams aukstums
pāri katra
vārda gipša veidnēm,
un
drudžaina vieta, kur intelekts pamanās izirt
ar visām
salasāmajām dzīves pēdām.
katrs vārds,
savā dzemdes mierā,
vērdošo
asiņu naktis,
nes
neizrunājamu
smagu
gaismu.
há uma luz selvagem
há uma luz selvagem que me percorre o nome
e que enlouquece lentamente
no interior húmido da memória.
o espaço da voz
expande-se até à idade irrespirável dos objectos.
sento-me a observar a praia
e a forma como a água tem medo de se aproximar demasiado
e pousar nas perguntas.
as pálpebras escorrem-me até aos nervos.
há um frio insuportável na passagem escorregadia das horas
no gesso de cada nome,
e um sítio febril onde a inteligência consegue deteriorar
todos os vestígios decifráveis de vida.
cada nome, no interior imóvel do seu ventre,
no sangue fervido das noites,
transporta uma luz pesada,
impronunciável.
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