há vocábulos de fogo
que se me entrelaçam nas pernas
e eu sei que tenho o fôlego escorregadio mas
todos aqueles sonhos com espelhos onde tudo o que conseguia ver eram
reflexos
de espelhos em espelhos
todo esse ruído cirúrgico é uma fronteira implacável
de sexo
porque temos que escrever as palavras como elas são
mas ainda assim acredito num delírio mais refinado
portanto, vou reformular,
há noites em que não durmo porque tenho a idade mergulhada
na essência mais masculina de mim
e às vezes sonho que te beijo e que esse beijo sangra
e subitamente os meus órgãos não me cabem no corpo.
passado pouco tempo estou sentada noutra cadeira
e cada cadeira tem o seu próprio idioma e cada idioma
tem a sua própria existência
e cada existência cabe numa loucura instantânea que fica pronta em três
minutos com um pouco de água quente
e o êxtase leva a uma inspiração terrível
e o terror leva-me de novo a ti
e abro os olhos porque sei que me existes debaixo das pálpebras, como um
pequeno duende
mas daqueles que não dão uma particular sorte
mas os reflexos estendem-se para lá da carne, expandem-se pelas ruas,
pelos prédios, pelo carro, pela minha secretária, pelos meus vários ecrãs
e há noites em que não durmo mas é como se dormisse.
in O Sono Extenso, Âncora Editora