Viste o tempo que passou por nós
quando não estávamos atentos,
ou, pelo contrário, prestávamos tanta atenção
que nunca o víamos.
Repara na lentidão dos nervos,
a forma como pousam sobre o asfalto.
Observa o medo,
sonolento,
como luz de chumbo
a pousar sobre as asas da cidade.
E a memória, como idade transformada,
uma insónia inocente a escorrer
pela diversão nómada
dos nossos sentidos.
Amanhã queimarás a
minha ausência e vai cheirar
a incenso de papoila
nos olhos sobrarão apenas a brancura de não estar.
Aos orgasmos epilépticos vão juntar-se os animais da noite,
e dos corpos lacerados sobrará o vento gratuito
que deambula entre as ruas e o sexo.
Vamos ter mil dragões que nos vigiam os sorrisos,
deuses invisíveis na adoração das horas de trabalho
que são cadáveres de tempo,
escondidos debaixo do tapete
para que a juventude do corpo
não choque com as viagens ruivas
do nosso destino.