Fonte: Jornal Labor
Sara F. Costa: dez anos em nome da poesia (2004-2014)
“Eu não quero ser um poeta. Quero ser um poema”
Yukio Mishima
Não podia deixar passar esta década em branco como uma memória apagada pela usura do tempo. Dez anos na vida de um escritor e de um poeta são o primeiro balanço depois do baptismo de fogo que representa a apresentação da primeira obra que um autor anuncia ao mundo, cujo silêncio conseguiste traduzir de forma tão surpreendente e profunda. Um decénio de vida em nome da Poesia de alguém que fez da linguagem a casa do seu Ser e da palavra, o seu ofício e que o mundo precisa de recordar.
Recordar aquele 14 de Julho de 1987 quando nasceste em Cucujães, freguesia do concelho de Oliveira de Azeméis e abriste os olhos e o coração para a Poesia através dos olhos dos teus pais. Evocar o momento em que abraçaste o teu prazer pela leitura e o teu gosto pela escrita e, aos doze anos, assumiste a Poesia como a tua condição de vida e caminho a seguir, relembrar a família e os primeiros amigos de verdade que sempre estiveram do teu lado e te ajudaram a construíres o estilo e a burilar a linguagem com que, mais tarde, passaste a impor ao mundo como um farol a rasgar o nevoeiro do oblívio.
O mundo precisa de recordar os passos em volta do teu silêncio até ao pódio do reconhecimento. Desde o dia em que ganhaste o teu primeiro galardão no prémio “Momentos de Poesia” em Leiria, passando pelo teu primeiro prémio internacional em Trieste, Itália, 2006, até à vitória, pela segunda vez consecutiva do Prémio João da Silva Correia em 2011; as vezes em que viste publicados os teus poemas no DN Jovem; nas Revistas Criatura em 2008 e Ítaca em 2011 e colaboraste em grupos culturais em Oliveira de Azeméis, São João da Madeira e Braga – onde concluíste o teu curso – e mestrado – de Estudos Orientais pela Universidade do Minho em 2009 – na área da Poesia e do Teatro, apenas para citar alguns exemplos. O mundo precisa de recordar.
Recordar o teu primeiro livro “A Melancolia das Mãos e Outros Rasgos” (Pé de Página, 2004), a forma reveladora e espantosa com que retrataste e a perspicácia e a inquietude do sujeito poético em relação ao meio que o envolve, como afirmou Pedro Mexia e o júri que atribuiu o prémio que permitiu a publicação da tua primeira obra e a forma como as tuas metáforas fizeram com que as palavras e os versos do teu primeiro poemário procurassem uma unidade e um conceito de separação entre o Eu e o Outro, como declarou o teu amigo e poeta, Luís de Aguiar, num livro em que Jorge Reis-Sá não hesitou em questionar a existência de poetas capazes de manejar as formas como já fazias nessa altura, num comentário publicado na “Magazine Artes” em 2005.
Relembrar o teu segundo livro “Uma Devastação Inteligente” (Atelier, 2007), que representou não só uma demarcação e evolução com o que escreveste no passado mas também revelou a forma como analisavas a fragmentação e a tradução da realidade a partir do teu lado mais intimista, numa obra de arrebatadora originalidade e criatividade em que conseguiste assumir o acto poético como genuína expressão de uma existência. Palavras que não deixaram indiferentes em 2007 Jorge Listopad, que te comparou a Agustina Bessa-Luís, num artigo de opinião do JL e Lauro António, que encontrou em ti um talento a despontar com uma força amadurecida de quem domina as palavras.
E, finalmente, evocar o teu último livro “O Sono Extenso” (Âncora Editora, 2011). Relembrar a forma como exploraste, de uma forma original, perturbadora e interpelante a insatisfação e a frustração provocadas por um mundo de facilitismos onde a felicidade parece estar ao nosso alcance, mas onde o ser humano é capaz de se perder nos labirintos da confusão informativa e da decadência moral em que vivemos – e sofremos. Uma obra e um talento que não deixaram indiferentes figuras da cultura sanjoanense, como o professor e escritor Josias Gil que te considerou uma poeta “de uma invulgar maturidade e mestria nas palavras”, da poesia nacional como Nuno Brito que viu em ti “uma múltipla, revigorante e nova voz poética” e, este teu amigo, que, em breves palavras, sempre te viu como uma narradora de silêncios das palavras mais primitivas que o ser humano mais teme e oculta de si e escreveu este singelo texto para te dizer apenas, de uma forma (nada) erudita…
Parabéns Sara!
Tiago Moita