parece mal
que os dias atravessem o gelo vazio que nos vem contra a cara
quando caminhamos na rua à espera que os cães famintos que abandonamos nos subúrbios do pensamento
nos mastiguem os órbitas dos olhos para não conseguirmos ver
o tempo que passou desde que acordámos
e desde que a noite começou também ela a passear
no ventre das nossas dúvidas mais ruídas e menos ruidosas.
parece mal porque não cai bem porque não se faz
não se dorme no parapeito da vida
com as várias fracturas expostas ao tédio
e a ternura afiada dos corpos alheios
a queimar lentamente as gotas de suor da imaginação.
não se fica sentado à espera que o sol de ferro que se mergulha nos sentidos
aqueça mais do que estas dores palpitantes nos nervos das fotografias
que caem de todos os jornais, de todas as revistas que caem
das revistas e dos jornais que também caem
mas que não caem bem
porque não cai bem diluir assim os afectos com a lama dos números
a lama das estatísticas,
a lama do share, da receita, do deficit, da crise, da grise
das imagens que pulsam livres, dementes, doentias
que esvoaçam e se metem para debaixo do crânio
para um sítio onde não as conseguimos apanhar.